sexta-feira, 25 de maio de 2007

Um senhor espetáculo:

O Avarento de Molière.

Antônio Lázaro de Almeida Prado
As gerações atuais (rapazes e moças, jovens de idade ou da Juventude Experiente) podem ter, se quiserem, a rara e importantíssima oportunidade de saber o que é e para que vale o Teatro.
Basta, para isso, (não direi que assistam ao), mas que participem do encontro dramático) O Avarento de Molière, no Teatro Cultura Artística da capital paulista.
Mestre Alceu Amoroso Lima em sua preciosa Estética Literária recorda a genial constatação do crítico francês Léon Paschal, ao chamar a atenção para a “polipersonalidade” de Autor de obras literárias.
Para mim, se não estou em equívoco, “polipersonalidade” por excelência é a do Ator Dramático, Primeiro, porque vivendo e encarnando personagens vivos (visíveis e audíveis) diante de um Público (também este partícipe do caráter eminentemente dialógico da ação cênica), os atores já não são personagens “de papel”, mas emprestam corpo, ar, gestos, voz, visualidade (quase direi palpável) a entes (semi-ficcionais, semi-encarnados) com os quais, se nos dermos contas, convivemos no Teatro e... na Vida...
Arte compósito-dialógica constituída de texto, visualidade cênica, marcação (no caso de Molière, quase de dança...), direção, cenografia, iluminação, vestuário, figurinos, mobiliário, voz, gestos, acidentes eventuais em cada espetáculo, mas e principalmente de diálogo artístico vivo (atores e público) a bem dizer não vamos ao teatro, vivemos o Teatro...
Se os paulistanos e/ou os que passam pela capital bandeirante quiserem testar (pessoal e coralmente) o que é o que vale o Teatro (repito) não poderão perder o privilégio (excepcionalíssimo) de O Avarento de Molière.
Ao longo de minha vida (que aliás, já não é tão curta) pude participar do público de teatro, um público artisticamente privilegiado.
Mas se me perguntarem por momentos relevantes do Teatro (além de alguns outros) direi que na noite de 1º de março de 2007, no Teatro Cultura Artística, posso orgulhar-me de ter visto uma das mais preciosas encarnações cênicas na Comédia O Avarento de Molière.
Direi que todos nascemos humanos (o que não é um acacianismo) mas poucos merecemos a humanidade em níveis plenos. Ter visto O Avarento de Molière é desses “instantes de beleza imorredoura”.
Se Molière nasceu para o Teatro, Paulo Autran certamente nasceu Ator. Mas o que, a meu ver é traço definidor de sua grandeza é nele o prazer da vivência teatral, uma vivência que, como já indiquei, é eminentemente dialógica e coral. O que vale dizer que ação cênica é ação integradora e de equipe (até de atores, palco, texto e público). Se ele pudesse (mas não pode) apagaria seu próprio brilho, em favor do brilho (comum) da equipe cênica...
O fato é que ator (por antonomásia) e diretor habilíssimo, Paulo Autran ouve diretores, atores, técnicos e... público, com uma atenção muito viva e interessada, que não inibe a sua (passe o termo) genialidade, mas a faz coadjuvante do espetáculo cênico.
Nesta estação privilegiada do Teatro em São Paulo ninguém, que tenha visto (e vivido) a comédia de Molière, O Avarento, poderá, agora em diante, alegar que não sabe o que é e para que vale o Teatro.
Molière, com sua “polipersonalidade” teatral, deu corpo, substância e expressão comunicativa a peças, que colhem e representam o que nós todos somos, do corpo para fora e da pele para dentro. Como Lorca, ele passeou o seu teatro, primeiro pela França, e, logo, pelo Mundo, nas diversas camadas geracionais e epocais.
Com a leveza da “commedia dell’arte”, que ele soube encarnar (desenvolver e acrescentar), penetrou nos escaninhos da alma humana, percebendo, com intuição genial, os nossos descompassos tragicômicos seja na sede de poder argentário, seja na bipolaridade do santarrão devasso, na “cultura” obtida a preço de lições, seja nos “êxtases” meramente conseqüentes de torcicolos...
Mas o curioso é que Molière ri e nos faz rir do rei nu, do hipócrita oportunista, dos sabichões e das sabichonas, dos comedores de ouro e dos trejeitos dos Dons Joões ou das Donas Joanas, e dos “arrivistas”...
Mas O Avarento de Molière recebe dele um simples piparote (quase como de um Machado de Assis se fosse mais aberto ao riso...), que o revela (a ele avarento) e a nós (sedentos de poder, status e gloríolas) pelo viés do riso, e não pela tragicidade do Pai Grandet balzaquiano...
Como poeta menor, não sou crítico teatral. Nem disponho da acuidade de um Décio de Almeida Prado, de uma Bárbara Heliodora, de um Sábato Magaldi ou de um Clóvis Garcia.
Falo como partícipe do público.
E digo, simplesmente, que para mim, como para minha filha Fernanda Maria e minha neta Daniela, termos visto a atual encenação de O Avarento de Molière, no Teatro Cultura Artística na noite (privilegiada) de 1º de março de 2007 é termos condividido com Diretor, Atores, Técnicos e Público um dos raros e eminentes exemplos do que é e do que vale o Teatro, que, como na opinião de Horácio, nos faz rir dos outros e (discreta e quase envergonhadamente) de nós próprios...
Cumprimentando o senhor ator Paulo Autran, estou cumprimentando todos quantos tornaram possível essa oportunidade, inclusive o público dessa noite de rara beleza...
Quem ainda não viu, vá ver!...
São Paulo, 2 de março de 2007
E-mail:
professorprado.prado@gmail.com

Nenhum comentário:


Fernanda e o poeta Almeida Prado

COMPARTILHADO


Solitário indivíduo estendo pontes
E solidário me faço além do espaço
Exíguo deste corpo agreste e lasso,
Navegando para além dos horizontes.
Compartilhada vida só em parte
Pois que, por outra parte, fujo à ilha,
E desfruto a perpétua maravilha
De à angusta solidão fugir com arte.
Solitário, mas sempre solidário,
Fugindo ao tempo precário e repartido,
No bem do amor encontro o meu sacrário
E tudo o que é bem meu eu condivido
Não vendo noutro ser algo contrário
Mas o que faz o inferno suprimido.

Assis, 15 de junho de 2007

Antônio Lázaro de Almeida Prado



::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

:::::::::::::::::: EXERCÍCIOS DA VOZ ::::::::::::::::::

Interlúdio paulistano (1) 

 

Antônio Lázaro de Almeida Prado 
 

O que mais atrai na “Paulicéia Desvairada” é essa oferta, em leque, de opções artísticas.

Participei, com Poeta convidado, de mais um sarau na Casa das Rosas (Espaço artístico Haroldo de Campos).

Nessa mesma Casa das Rosas surpreendeu-me e encantou-me a exposição multimídia de uma artista do Sul, que já traz (na vida e na Arte) o destino no nome: Rosae Novichenko (Rosângela Nowitschenko).

Trata-se de uma jovem catarinense, que, como tantos artistas, expõem e/ou trabalham (artisticamente) em São Paulo e na capital paulista oferecem, generosamente, a quantos concordem com Keats: “o belo é uma alegria para sempre”, os dons de sua criatividade e competência criadora.

Rosae/Rosângela (pluralmente Rosa e singularmente ângela (anjo) é da estirpe dos que olham, com ternura e lucidez, esse imenso território terrestre, em que decorre nosso estágio vital, que, aliás, se cumpre aqui e para além dessa admirável Terra.

Com técnicas artísticas inovadoras (uma das quais é a produtiva técnica mista do uso de nanquim, grafite e esmalte de unha) Rosae coincide com virtuosismo floral de Botticelli) e instaura um universo artístico germinador, em que os reinos mineral, vegetal, animal (e mais especificamente humano) se abraçam num enlace de imanência e transcendência, de admiráveis efeitos formais e colorísticos.

Corpos femininos esplendentes florescem em rosas e habitam o território edênico da terrestridade e dos sonhos, esse mesmo corpo feminino desabrocha em quase audíveis sons de violinos e celos, temperados de efeitos oníricos e de formas ora evanescentes, ora concretíssimas.

Em tudo a dimensão de grandeza dos sonhos mais encantados, a placidez das formas, a festiva alegria dos adornos, o êxito do refinamento artístico, o requinte do artesanato perfeito.

Parece-me que a presença artística do Sul brasileiro, há pouco representada pela admirável arte fotogrática de Adriana Füchter, confirma-se nesta exposição, por todos os títulos preciosa, de uma jovem catarinense que busca, com pertinência (e o consegue) chegar àquela incidência da beleza que, para Keats, é uma alegria para sempre.

Artistas de almas irmãs mestre Botticelli e a nossa Rosae Novichenko, com saber e sabor, enriquecem nossa vida, fazendo-nos sintonizar com uma ênfase artística, que embeleza a beleza natural e nos encanta.

Temos que pedir a Rosae que prossiga na credenciada revelação da beleza da vida e dos instantes lúcidos dos sonhos. 

Assis, 24 de junho de 2007 

E-mail: professorprado.prado@gmail.com

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

:::::::::::::::::::::: EXERCÍCIOS DA VOZ ::::::::::::::::::::::::

Interlúdio paulistano (2) 

 

Antônio Lázaro de Almeida Prado 
 

  “Habitué” do MASP, volto a ele, e vejo a exposição de Darwin, mas na verdade, como uma ocasião feliz, a mais, para rever as obras de Paul Cézanne (1839-1906), já vistos no MASP e em Paris, sempre com o mesmo encantamento de quem considera Cézanne um dos grandes mestres da Pintura e das correntes pictóricas atuais.

Difícil encontrar quem consiga emparelhar com Cézanne na destreza de obter, através de massas colorísticas, a sensação de dimensão, quase tangível, de frutas, panoramas, pessoas, árvores e (quase diria) de cidades captadas através de artísticas formas geométricas.

A chamada “natureza morta” (tantas maçãs, tantos pêssegos, tantas laranjas – todas tentadoras) parece que tratadas por essa hábil mão, que ao modo de Michelangelo, “ubbidisce all’intelletto: que obedece à inteligência), a “natureza morta”, assim com a vida vegetativa de tantas árvores majestosas, tudo isso ganha vida, graças a essa espécie de humanização Ersatz, que lhe confere Cézanne.

Jogadores parecem manter expectativas (e até disfarces e truques) de apostadores, mas perante um público, formado por quantos têm o privilégio de contemplar a tela.

E o relevo das formas humanas, obtido a partir do justo emprego de massas colorísticas e de linhas!...

Um quadro, uma pintura, disse uma vez um crítico artístico sagaz, não é mais do que “uma superfície plana, recoberta de cores e linhas”. Ora, a descoberta da perspectiva, por exemplo de um Giotto (O beijo de Judas), ou dos renascentistas mais capazes, ou a admirável construção de perspectiva, a partir sempre, de cores e linhas, se não me equivoco, vale como um traço definidor de gênios e de talentos.

Parece-me que as vanguardas do século XX, através de seus mais credenciados artistas, abeberaram-se nesta fonte inspiradora de talento e de artesanato que se chama Paul Cézanne... 

*

*               * 

Fui ver também o acervo do MASP concernente à obra de Toulouse Lauterc (1864-1901).

Confesso (e não sei bem explicar o porquê) que sempre vejo no traçado leve (quase diria caricato) de Lautrec uma antevisão de fim-de-linha da chamada “Belle Époque”.

Sinto em Marcel Proust (1871-1922) um encantamento pela “douceur de vivre”, que se traduz num estilo tão caprichoso quanto o da arte dos vitrais, atento a particulares expressivos, que me parecem até uma tentativa de preservação (escrita e sugerida) de um tempo que ele tanto amou e que melancolicamente percebe que precisa de uma nova “Commedia”: a do resgate das palavras...

Mas Toulouse Lautrec, sem a gravidade de um Miserere de Rouault, parece mais interessado em não tomar muito a sério os ritos, as pompas e o “savoir faire” da “Belle Époque”.

Lautrec tem para mim o sabor rabelaisiano de quem prefere ao trágico puro, o tragicômico, o riso, ora leve, ora mais acentuado, quase de uma sátira cruel...

Há (suponho) na leveza de dançarinos de cabarés, nos rápidos movimentos de salões e (particularmente no à vontade de cavaleiros e amazonas um certo, como que compensatório, desse nobre francês, reduzido, pela forma física (ou se quiserem a deformidade) a invejar, ora complacente, ora amargo, o ágil, o lépido, o destro, a rapidez de formas e movimentos.

Às vezes me pergunto se Lautrec não buscou uma Ersatzreligion dos movimentos e da perspectividade... Ele, como o nosso talentoso Ranchinho (de Assis) parece ter fixação da força, vigor e energia nos cavalos, que galopam em círculos estreitos, em superfícies limitadas.

E, no entretanto, que captação talentosa de ritmos, da fascínio pelo cambiante e mutável! 

*

*               * 

Terá cabimento dizer-se que a fragrante captação de formas, através de massas colorísticas, em Cézanne, corresponde a um encantamento (preservado) em face da vida, enquanto que o traçado rápido, e a centelha de luz e de sombra em Toulouse Lautrec decantam-se na sátira, tão incisiva, e tão leve, quanto a ele (Lautrec) lhe faltou de bem estar físico?...

De qualquer maneira, admiráveis as gerações artísticas da “Belle Époque” e das vanguardas do século XX na França.

Imagino que até se possa recordar do êxito das gerações renascentistas da Itália...

O fato é que quer desejando perpetuar (Proust), quer conseguindo preservar (Cézanne), quer exercendo uma crítica entre cobiçosa e mordaz (Lautrec) a França pode orgulhar-se de oferecer à contemplação do mundo uma geração artística de grande qualidade... 

Assis, 24 de junho de 2007 

E-mail: professorprado.prado@gmail.com