Antônio Lázaro de Almeida Prado
As gerações atuais (rapazes e moças, jovens de idade ou da Juventude Experiente) podem ter, se quiserem, a rara e importantíssima oportunidade de saber o que é e para que vale o Teatro.
Basta, para isso, (não direi que assistam ao), mas que participem do encontro dramático) O Avarento de Molière, no Teatro Cultura Artística da capital paulista.
Mestre Alceu Amoroso Lima em sua preciosa Estética Literária recorda a genial constatação do crítico francês Léon Paschal, ao chamar a atenção para a “polipersonalidade” de Autor de obras literárias.
Para mim, se não estou em equívoco, “polipersonalidade” por excelência é a do Ator Dramático, Primeiro, porque vivendo e encarnando personagens vivos (visíveis e audíveis) diante de um Público (também este partícipe do caráter eminentemente dialógico da ação cênica), os atores já não são personagens “de papel”, mas emprestam corpo, ar, gestos, voz, visualidade (quase direi palpável) a entes (semi-ficcionais, semi-encarnados) com os quais, se nos dermos contas, convivemos no Teatro e... na Vida...
Arte compósito-dialógica constituída de texto, visualidade cênica, marcação (no caso de Molière, quase de dança...), direção, cenografia, iluminação, vestuário, figurinos, mobiliário, voz, gestos, acidentes eventuais em cada espetáculo, mas e principalmente de diálogo artístico vivo (atores e público) a bem dizer não vamos ao teatro, vivemos o Teatro...
Se os paulistanos e/ou os que passam pela capital bandeirante quiserem testar (pessoal e coralmente) o que é o que vale o Teatro (repito) não poderão perder o privilégio (excepcionalíssimo) de O Avarento de Molière.
Ao longo de minha vida (que aliás, já não é tão curta) pude participar do público de teatro, um público artisticamente privilegiado.
Mas se me perguntarem por momentos relevantes do Teatro (além de alguns outros) direi que na noite de 1º de março de 2007, no Teatro Cultura Artística, posso orgulhar-me de ter visto uma das mais preciosas encarnações cênicas na Comédia O Avarento de Molière.
Direi que todos nascemos humanos (o que não é um acacianismo) mas poucos merecemos a humanidade em níveis plenos. Ter visto O Avarento de Molière é desses “instantes de beleza imorredoura”.
Se Molière nasceu para o Teatro, Paulo Autran certamente nasceu Ator. Mas o que, a meu ver é traço definidor de sua grandeza é nele o prazer da vivência teatral, uma vivência que, como já indiquei, é eminentemente dialógica e coral. O que vale dizer que ação cênica é ação integradora e de equipe (até de atores, palco, texto e público). Se ele pudesse (mas não pode) apagaria seu próprio brilho, em favor do brilho (comum) da equipe cênica...
O fato é que ator (por antonomásia) e diretor habilíssimo, Paulo Autran ouve diretores, atores, técnicos e... público, com uma atenção muito viva e interessada, que não inibe a sua (passe o termo) genialidade, mas a faz coadjuvante do espetáculo cênico.
Nesta estação privilegiada do Teatro em São Paulo ninguém, que tenha visto (e vivido) a comédia de Molière, O Avarento, poderá, agora em diante, alegar que não sabe o que é e para que vale o Teatro.
Molière, com sua “polipersonalidade” teatral, deu corpo, substância e expressão comunicativa a peças, que colhem e representam o que nós todos somos, do corpo para fora e da pele para dentro. Como Lorca, ele passeou o seu teatro, primeiro pela França, e, logo, pelo Mundo, nas diversas camadas geracionais e epocais.
Com a leveza da “commedia dell’arte”, que ele soube encarnar (desenvolver e acrescentar), penetrou nos escaninhos da alma humana, percebendo, com intuição genial, os nossos descompassos tragicômicos seja na sede de poder argentário, seja na bipolaridade do santarrão devasso, na “cultura” obtida a preço de lições, seja nos “êxtases” meramente conseqüentes de torcicolos...
Mas o curioso é que Molière ri e nos faz rir do rei nu, do hipócrita oportunista, dos sabichões e das sabichonas, dos comedores de ouro e dos trejeitos dos Dons Joões ou das Donas Joanas, e dos “arrivistas”...
Mas O Avarento de Molière recebe dele um simples piparote (quase como de um Machado de Assis se fosse mais aberto ao riso...), que o revela (a ele avarento) e a nós (sedentos de poder, status e gloríolas) pelo viés do riso, e não pela tragicidade do Pai Grandet balzaquiano...
Como poeta menor, não sou crítico teatral. Nem disponho da acuidade de um Décio de Almeida Prado, de uma Bárbara Heliodora, de um Sábato Magaldi ou de um Clóvis Garcia.
Falo como partícipe do público.
E digo, simplesmente, que para mim, como para minha filha Fernanda Maria e minha neta Daniela, termos visto a atual encenação de O Avarento de Molière, no Teatro Cultura Artística na noite (privilegiada) de 1º de março de 2007 é termos condividido com Diretor, Atores, Técnicos e Público um dos raros e eminentes exemplos do que é e do que vale o Teatro, que, como na opinião de Horácio, nos faz rir dos outros e (discreta e quase envergonhadamente) de nós próprios...
Cumprimentando o senhor ator Paulo Autran, estou cumprimentando todos quantos tornaram possível essa oportunidade, inclusive o público dessa noite de rara beleza...
Quem ainda não viu, vá ver!...
São Paulo, 2 de março de 2007
E-mail: professorprado.prado@gmail.com
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