sábado, 4 de julho de 2009
Erudição, humildade e lirismo
Frederico Barbosa
O professor Antônio Lázaro de Almeida Prado é legítimo representante de uma categoria de intelectual que se torna a cada dia mais rara no nosso país. Aquele para o qual o conhecimento vem com naturalidade, como algo simples e corriqueiro. Sem impostação ou impostura, sem máscara ou vaidade. E, acima de tudo, sem arrogância ou narcisismo. Felizes não consigo mesmos, mas com o conhecimento em si, estes eruditos humildes são professores fenomenais, pois a sua alegria vem justamente de dividir com os outros, sem estrelismo ou falsa modéstia, a sua vasta erudição.
Se todo gesto ou fala do professor Almeida Prado é perpassado por esta erudição humilde, a sua poesia não haveria de ser diferente. A dicção poética deste Lúcido Sonho é clássica. Mas de um classicismo sem pose, natural, de estudioso que conhece a fundo os mecanismos da poesia e sabe manejar como poucos os seus recursos mais tradicionais para, alterando-os minimamente, compor poemas que, embora elaborados ao extremo, aparentam simplicidade e espontaneidade.
A poesia de Almeida Prado lembra, assim, os célebres versos de Olavo Bilac, que recomenda “A um poeta” que “na forma se disfarce o emprego / do esforço; e a trama viva se construa / de tal modo, que a imagem fique nua, / rica mas sóbria, como um templo grego. // Não se mostre na fábrica o suplício / do mestre. E, natural, o efeito agrade / sem lembrar os andaimes do edifício”.
Basta observarmos a sonoridade do poema “A Voz Humana” para percebermos a maestria do poeta. No primeiro verso a aliteração de FL reproduz o caráter choroso e frágil (flébil) da flauta: “FLuindo, a voz da FLauta FLébil”. Já no segundo, a repetição da sílaba BO imita o som do “riBOmBO das BOrrascas”, enquanto no terceiro a aliteração do TR apresenta uma harmonia imitativa do som “esTRépido, furioso, das meTRalhas.” Isto é poesia: o som a serviço do sentido.
Mas ainda há quem pense que erudição não combina com sentimento? Pois este Lúcido Sonho é prova do contrário. Grande parte do livro é composto por poemas de amor. Seja do amigo, do pai ou do amante. Seja o amor abstrato pela beleza, pelo rio Piracicaba ou pela literatura, o amor incendeia os versos: “E, assim, tu que és a fonte da poesia, / Com o encanto da voz, sempre embargada, / Verás como progride, dia a dia, / O incêndio de nossa alma conjugada...”.
Se é verdade o que dizia o grande pintor Francisco Goya, que “el sueño de la razón produce mostruos”, certamente o contrário ocorre com este Lúcido Sonho de Antônio Lázaro de Almeida Prado. Nele, erudição, humildade e lirismo se conjugam para produzir o que é essencial em qualquer obra de arte literária: prazer e beleza.
EU TE DAREI, AMOR...
Eu te darei, amor, mais do que a angústia
De minhas ânsias por um mundo justo,
Eu te darei, fermento resoluto,
Meu canto que supera o homem mudo.
Eu te darei, num sonho vigilante,
A certeira emergência da alvorada,
Desvelando, num canto lancinante,
A oclusão da clausura obstinada.
Eu te darei o som, que compendia
Mil vozes das palavras preteridas,
E te darei, na áspera alegria,
As vozes sufocadas de mil vidas.
E assim, tudo o que a simples mão fraterna
Associa em uníssono e coesão
– A rosa, a liberdade, o sonho, o pão ... –
Eu te darei, amor, neste poema.
NEL MEZZO DEL CAMMIN...
Destrava neste instante a língua e a alma,
Põe ordem no furor, modera a ira:
Não haja desalinho, nem interfira
Incontido entusiasmo em tua calma.
Nestes tempos de raiva e desamor
De cobiça voraz, de amor à usura
Põe nos gestos e atos só ternura,
Que desarma a inconsciência do terror.
Os homens estão carentes de carinho
De excessos de furor estão cansados,
Buscam do amor as trilhas e o caminho.
É bom vê-los agora empenhados
Em superar o ímpeto mesquinho
Que os tinha à cupidez acorrentados.
FESTIVO ACOLHIMENTO
Olá! Adeus!
Catulo
O Tempo nos acolhe,
E, com fugaz astúcia,
(Tão breve e perecível!)
Já brinda com a Noite:
Ocaso do Futuro...
Antônio Lázaro de Almeida Prado
Lúcido sonho
Editora Olavobras - 2008
COMPARTILHADO
Solitário indivíduo estendo pontes
E solidário me faço além do espaço
Exíguo deste corpo agreste e lasso,
Navegando para além dos horizontes.
Compartilhada vida só em parte
Pois que, por outra parte, fujo à ilha,
E desfruto a perpétua maravilha
De à angusta solidão fugir com arte.
Solitário, mas sempre solidário,
Fugindo ao tempo precário e repartido,
No bem do amor encontro o meu sacrário
E tudo o que é bem meu eu condivido
Não vendo noutro ser algo contrário
Mas o que faz o inferno suprimido.
Assis, 15 de junho de 2007
Antônio Lázaro de Almeida Prado
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Interlúdio paulistano (1)
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Interlúdio paulistano (2)
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