sábado, 4 de julho de 2009

Poesia que não morre

.

Poesia, que não morre

Por Luis Antônio de Figueiredo

O texto a seguir é o posfácio de Luiz Antônio de Figueiredo ao livro Ciclo das Chamas e outros
poemas, de Antônio Lázaro de Almeida Prado, publicado pela Ateliê Editorial.

A generosidade de Fernanda permitiu que eu redigisse estas palavras
sobre a Poesia de seu pai – meu mestre e amigo, Professor Antônio Lázaro de
Almeida Prado. Tarefa difícil, não porque eu não possa apontar, na urdidura
dos poemas, a palpitante coesão que preside sua Poética, em que o Imanente
– “nossos pés de barro” – é sempre consagrado, pois só através dele podemos
dar o salto para a Transcendência. E só o Amor, no sentido pleno e humano da
palavra, envolvendo o ágape e o perdão, é a via possível para suplantarmos o
transitório e atingirmos o estado que, antes, era uma esperança, e, com o
Amor, converte-se em certeza: Eternidade.
Mas eu aludi à minha dificuldade de falar sobre os poemas do Professor
Almeida Prado. Ela reside no fato de que os conteúdos de sua Poética estão
encarnados em sua pessoa, como atributos da personalidade. O frêmito que
encontramos em todos os poemas, é o mesmo com que o Poeta recorda, em
seus diálogos comigo, os magníficos versos de Dante, uma passagem
lancinante de Salvatore Quasímodo, o Idealismo e o desprendimento do
Professor Ítalo Betarello, ou o ecumenismo do poeta que, para ele, é o maior
entre os poetas brasileiros: Murilo Mendes...
Voltemos ao enlace Imanência-Transcendência, que fundamenta a
Metafísica poética do Professor Almeida Prado. Lembro-me de um dia perdido
no calendário dos anos 70 (mas vivo e presente em minha memória), em que
caminhávamos pelo campus arborizado da faculdade, quando deparamos com
um broto de planta irrompendo por entre o asfalto quebradiço. Em silêncio, mas
visivelmente arrebatado, apontou-me a suavidade suplantando a aspereza, ou,
em sentido amplo, a supremacia do Amor sobre a dureza do coração... (O
contexto do nosso diálogo suscitava essa interpretação simbólica da planta
rompendo o asfalto.)
Uma Poética como a do Professor Almeida Prado, ao revés de uma
poesia pura, de literato para literatos, inscreve em cada poema a marca
irrevogável da condição humana... Não existe forma que não possa manifestar
o êxtase e a fragilidade da existência – metrificação livre ou regular, redondilha,
soneto ou quadra... E fazendo-se exemplo do Amor encarnado, do instante
fugaz que vislumbra a Eternidade, dedica parte significativa dos poemas à
esposa Themis – Arquétipo da Mulher e Mãe de seus sete filhos, símbolo vivo
do Amor, único sentimento capaz de eludir a morte!
Tive a honra e a alegria de ter sido seu Assistente na Disciplina de
Teoria Literária e Literatura Comparada, do Curso de Letras da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (hoje, campus da UNESP). Em nenhum momento
censurou meus equívocos estéticos, antes, confiando em minha capacidade de
superá-los, fez da matéria viva dos grandes poetas, o caminho da retificação.
Com certeza minhas palavras terão falado pouco da Poesia múltipla e vibrante
do Professor Almeida Prado. Anti-solipsista, e por isso solidária, ela se nutre da
vida e para a vida se volta, mas sempre colhendo, em seu diálogo ininterrupto
com o Amor, os frutos que lhe permitam inscrever-se e inscrever todos os
homens na dimensão do Eterno.
Assim, a convivência fraternal, sendo uma extensão da Metafísica do
Amor, faz cair o rígido muro que separa a Metafísica da Ética: o Amor só vigora
se encarnado no humano, e Sua Eternidade só pode ser vislumbrada a partir
dessa encarnação. Esse pressuposto do Cristianismo fundamenta a Poética do
Professor Almeida Prado, e demonstra (como em Murilo Mendes) não haver
contradição numa Estética que também se pretenda ética. Ao contrário, para
perfazer-se esteticamente, a Poesia necessita inserir-se na Metafísica do
Amor, mas para que este vigore em toda plenitude, há que manifestar-se no
humano – condição transitória, mas a única possível de nos ofertar a
possibilidade da transcendência.
Um ensimesmado sentido de pudor por parte do Professor Almeida
Prado retardou a publicação de seus poemas em livro, até este 2004, quando
está às vésperas de completar oitenta anos. Não importa. A própria condição
humana revela que todo tempo é propício para semear – Poesia e Amor. Agora
Leitores dessa poesia, brindemos por sua publicação, que inscreve na cena
literária brasileira uma teia sutilíssima de músicalidade e de significados, e
aponta – além das classes e dos credos – para a Ética do Amor como o
caminho, se quisermos tornar verdadeiramente habitável (apta para o vôo
transcendente) nossa tão combalida – e tão humana! – Terra...


Luiz Antônio de Figueiredo é escritor e tradutor, ex-professor da Faculdade
de Letras da UNESP de Assis. Publicou Dublagem (1986) e Poemas do tempo
(1997).
http://www.cronopios.com.br/site/resenhas.asp?id=461


.

Nenhum comentário:


Fernanda e o poeta Almeida Prado

COMPARTILHADO


Solitário indivíduo estendo pontes
E solidário me faço além do espaço
Exíguo deste corpo agreste e lasso,
Navegando para além dos horizontes.
Compartilhada vida só em parte
Pois que, por outra parte, fujo à ilha,
E desfruto a perpétua maravilha
De à angusta solidão fugir com arte.
Solitário, mas sempre solidário,
Fugindo ao tempo precário e repartido,
No bem do amor encontro o meu sacrário
E tudo o que é bem meu eu condivido
Não vendo noutro ser algo contrário
Mas o que faz o inferno suprimido.

Assis, 15 de junho de 2007

Antônio Lázaro de Almeida Prado



::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

:::::::::::::::::: EXERCÍCIOS DA VOZ ::::::::::::::::::

Interlúdio paulistano (1) 

 

Antônio Lázaro de Almeida Prado 
 

O que mais atrai na “Paulicéia Desvairada” é essa oferta, em leque, de opções artísticas.

Participei, com Poeta convidado, de mais um sarau na Casa das Rosas (Espaço artístico Haroldo de Campos).

Nessa mesma Casa das Rosas surpreendeu-me e encantou-me a exposição multimídia de uma artista do Sul, que já traz (na vida e na Arte) o destino no nome: Rosae Novichenko (Rosângela Nowitschenko).

Trata-se de uma jovem catarinense, que, como tantos artistas, expõem e/ou trabalham (artisticamente) em São Paulo e na capital paulista oferecem, generosamente, a quantos concordem com Keats: “o belo é uma alegria para sempre”, os dons de sua criatividade e competência criadora.

Rosae/Rosângela (pluralmente Rosa e singularmente ângela (anjo) é da estirpe dos que olham, com ternura e lucidez, esse imenso território terrestre, em que decorre nosso estágio vital, que, aliás, se cumpre aqui e para além dessa admirável Terra.

Com técnicas artísticas inovadoras (uma das quais é a produtiva técnica mista do uso de nanquim, grafite e esmalte de unha) Rosae coincide com virtuosismo floral de Botticelli) e instaura um universo artístico germinador, em que os reinos mineral, vegetal, animal (e mais especificamente humano) se abraçam num enlace de imanência e transcendência, de admiráveis efeitos formais e colorísticos.

Corpos femininos esplendentes florescem em rosas e habitam o território edênico da terrestridade e dos sonhos, esse mesmo corpo feminino desabrocha em quase audíveis sons de violinos e celos, temperados de efeitos oníricos e de formas ora evanescentes, ora concretíssimas.

Em tudo a dimensão de grandeza dos sonhos mais encantados, a placidez das formas, a festiva alegria dos adornos, o êxito do refinamento artístico, o requinte do artesanato perfeito.

Parece-me que a presença artística do Sul brasileiro, há pouco representada pela admirável arte fotogrática de Adriana Füchter, confirma-se nesta exposição, por todos os títulos preciosa, de uma jovem catarinense que busca, com pertinência (e o consegue) chegar àquela incidência da beleza que, para Keats, é uma alegria para sempre.

Artistas de almas irmãs mestre Botticelli e a nossa Rosae Novichenko, com saber e sabor, enriquecem nossa vida, fazendo-nos sintonizar com uma ênfase artística, que embeleza a beleza natural e nos encanta.

Temos que pedir a Rosae que prossiga na credenciada revelação da beleza da vida e dos instantes lúcidos dos sonhos. 

Assis, 24 de junho de 2007 

E-mail: professorprado.prado@gmail.com

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

:::::::::::::::::::::: EXERCÍCIOS DA VOZ ::::::::::::::::::::::::

Interlúdio paulistano (2) 

 

Antônio Lázaro de Almeida Prado 
 

  “Habitué” do MASP, volto a ele, e vejo a exposição de Darwin, mas na verdade, como uma ocasião feliz, a mais, para rever as obras de Paul Cézanne (1839-1906), já vistos no MASP e em Paris, sempre com o mesmo encantamento de quem considera Cézanne um dos grandes mestres da Pintura e das correntes pictóricas atuais.

Difícil encontrar quem consiga emparelhar com Cézanne na destreza de obter, através de massas colorísticas, a sensação de dimensão, quase tangível, de frutas, panoramas, pessoas, árvores e (quase diria) de cidades captadas através de artísticas formas geométricas.

A chamada “natureza morta” (tantas maçãs, tantos pêssegos, tantas laranjas – todas tentadoras) parece que tratadas por essa hábil mão, que ao modo de Michelangelo, “ubbidisce all’intelletto: que obedece à inteligência), a “natureza morta”, assim com a vida vegetativa de tantas árvores majestosas, tudo isso ganha vida, graças a essa espécie de humanização Ersatz, que lhe confere Cézanne.

Jogadores parecem manter expectativas (e até disfarces e truques) de apostadores, mas perante um público, formado por quantos têm o privilégio de contemplar a tela.

E o relevo das formas humanas, obtido a partir do justo emprego de massas colorísticas e de linhas!...

Um quadro, uma pintura, disse uma vez um crítico artístico sagaz, não é mais do que “uma superfície plana, recoberta de cores e linhas”. Ora, a descoberta da perspectiva, por exemplo de um Giotto (O beijo de Judas), ou dos renascentistas mais capazes, ou a admirável construção de perspectiva, a partir sempre, de cores e linhas, se não me equivoco, vale como um traço definidor de gênios e de talentos.

Parece-me que as vanguardas do século XX, através de seus mais credenciados artistas, abeberaram-se nesta fonte inspiradora de talento e de artesanato que se chama Paul Cézanne... 

*

*               * 

Fui ver também o acervo do MASP concernente à obra de Toulouse Lauterc (1864-1901).

Confesso (e não sei bem explicar o porquê) que sempre vejo no traçado leve (quase diria caricato) de Lautrec uma antevisão de fim-de-linha da chamada “Belle Époque”.

Sinto em Marcel Proust (1871-1922) um encantamento pela “douceur de vivre”, que se traduz num estilo tão caprichoso quanto o da arte dos vitrais, atento a particulares expressivos, que me parecem até uma tentativa de preservação (escrita e sugerida) de um tempo que ele tanto amou e que melancolicamente percebe que precisa de uma nova “Commedia”: a do resgate das palavras...

Mas Toulouse Lautrec, sem a gravidade de um Miserere de Rouault, parece mais interessado em não tomar muito a sério os ritos, as pompas e o “savoir faire” da “Belle Époque”.

Lautrec tem para mim o sabor rabelaisiano de quem prefere ao trágico puro, o tragicômico, o riso, ora leve, ora mais acentuado, quase de uma sátira cruel...

Há (suponho) na leveza de dançarinos de cabarés, nos rápidos movimentos de salões e (particularmente no à vontade de cavaleiros e amazonas um certo, como que compensatório, desse nobre francês, reduzido, pela forma física (ou se quiserem a deformidade) a invejar, ora complacente, ora amargo, o ágil, o lépido, o destro, a rapidez de formas e movimentos.

Às vezes me pergunto se Lautrec não buscou uma Ersatzreligion dos movimentos e da perspectividade... Ele, como o nosso talentoso Ranchinho (de Assis) parece ter fixação da força, vigor e energia nos cavalos, que galopam em círculos estreitos, em superfícies limitadas.

E, no entretanto, que captação talentosa de ritmos, da fascínio pelo cambiante e mutável! 

*

*               * 

Terá cabimento dizer-se que a fragrante captação de formas, através de massas colorísticas, em Cézanne, corresponde a um encantamento (preservado) em face da vida, enquanto que o traçado rápido, e a centelha de luz e de sombra em Toulouse Lautrec decantam-se na sátira, tão incisiva, e tão leve, quanto a ele (Lautrec) lhe faltou de bem estar físico?...

De qualquer maneira, admiráveis as gerações artísticas da “Belle Époque” e das vanguardas do século XX na França.

Imagino que até se possa recordar do êxito das gerações renascentistas da Itália...

O fato é que quer desejando perpetuar (Proust), quer conseguindo preservar (Cézanne), quer exercendo uma crítica entre cobiçosa e mordaz (Lautrec) a França pode orgulhar-se de oferecer à contemplação do mundo uma geração artística de grande qualidade... 

Assis, 24 de junho de 2007 

E-mail: professorprado.prado@gmail.com